quinta-feira, 23 de maio de 2024

Comunicado do MCATA: Touradas na ilha Terceira: quando a diversão consiste em enviar pessoas para o hospital, vivas ou mortas


Touradas na ilha Terceira: quando a diversão consiste em enviar pessoas para o hospital, vivas ou mortas

Uma em cada dez touradas à corda realizadas na ilha Terceira acaba com um ferido grave, que tem de recorrer ao serviço de urgências do hospital. A grande maioria destes feridos, nove em cada dez, são pessoas que assistem como público às touradas, sendo uma parte significativa, um em cada cinco, turistas que assistem a elas desconhecendo a violência que esta prática contém e, como consequência disso, acabam no hospital com feridas e fraturas graves.

Estes são os dados revelados por um recente estudo realizado no Hospital de Santo Espírito da Ilha Terceira (HSEIT) e publicados na revista Acta Médica Portuguesa. Continuamos, mesmo assim, sem saber o número de pessoas que são mortas nas touradas à corda, ainda que, em média, se calcule que haja um morto por ano. Tal como continuamos também sem conhecer o número total de feridos. No entanto, em resultado deste estudo, são finalmente tornados públicos alguns dados oficiais relativamente aos feridos graves.

Segundo o referido estudo, durante os anos 2018 e 2019 chegou ao serviço de urgências do hospital um total de 56 feridos graves, resultantes das 460 touradas à corda realizadas na ilha ao longo desses dois anos. A maioria foram feridos por contacto direto com o touro, mas uma terceira parte foram-no devido a quedas. A grande maioria dos feridos foram pessoas que estavam a assistir às touradas como público, enquanto pastores e capinhas só foram uma décima parte dos feridos. É especialmente destacável, nos resultados deste estudo, a elevada proporção de turistas que são feridos nas touradas, representando uma quinta parte de todos os feridos graves chegados ao serviço de urgências. Não há dúvidas de que proporcionalmente os turistas são, de forma involuntária, o principal alvo da violência associada a estas práticas.

Na atenção médica aos 56 feridos graves, no serviço de urgências do HSEIT foram tratadas um total de 80 lesões (muitas pessoas tinham mais de uma), entre as quais 22 fraturas ósseas. Um total de cinco pessoas chegaram às urgências com ferimentos traumáticos muito graves, uma delas apresentando forte risco de morte.

Como consequência disto, uma pessoa teve de ser transferida para outro hospital, devido a uma fratura grave do crânio. Seis pessoas precisaram de intervenção cirúrgica urgente em bloco operatório. E três pessoas foram internadas nos cuidados intensivos, num total de dez que acabaram internadas e tiveram de ficar em média uma semana no hospital.

Considerando todos estes dados, tanta dor e sofrimento inúteis, podemos perguntar-nos: quando é que um evento festivo acaba, de forma sistemática, com ferimentos graves ou mesmo a morte dos seus participantes. Podem as touradas à corda, portanto, ser consideradas um evento festivo? Ou são, na realidade, a expressão anacrónica dum tipo de barbárie própria de outros tempos que perdura, sem nenhum sentido, disfarçada de tradição popular?

Outras importantes questões a colocar são: em que proporção as touradas são simplesmente um negócio, sem respeito pela vida de pessoas e animais, alimentado pela indústria tauromáquica da ilha; e em que medida e por que motivo este negócio é favorecido por umas elites governantes aparentemente sem escrúpulos.

As festas, como é óbvio, não têm como propósito enviar pessoas para as urgências ou para o cemitério. Dezenas de pessoas e touros feridos ou mortos todos os anos não podem ser vistos como motivo de diversão. As touradas à corda, portanto, não podem ser tratadas com o mesmo respeito que outras tradições merecem. Se alguma coisa deve ser honrada pelo povo da Terceira não é uma festa bárbara, cruel e sem sentido, mas sim todas as pessoas mortas e feridas até agora, ao longo dos anos, nas touradas.

Como em muitos outros lugares do mundo, está na hora de acabar com esta tradição indigna que mais não é que um prolongamento absurdo da barbárie de outros tempos. Sem acabar definitivamente com estas formas institucionalizadas de violência, contra pessoas e animais, não é possível o povo da ilha Terceira avançar para uma nova civilidade que tanto merece e que já chega tarde.


Estudo na revista Acta Médica Portuguesa:
https://www.actamedicaportuguesa.com/revista/index.php/amp/article/download/19440/15358/110159


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Comunicado do
Movimento Cívico Abolicionista da Tauromaquia nos Açores (MCATA)
http://iniciativa-de-cidadaos.blogspot.pt/
23/05/2024





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