segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Sobre a dificuldade em abandonar tradições: o caso das touradas




Sobre a dificuldade em abandonar tradições: o caso das touradas

As tradições, quer sejam boas quer sejam más, exercem uma indiscutível influência sobre as pessoas, de tal modo que, apesar de toda a evolução científica e cultural existente, tolhem os pensamentos e levam por vezes a que sejam mantidas práticas bárbaras e anacrónicas. Sobre este assunto, a seguinte frase de Karl Marx (*) é bastante elucidativa: “ A tradição das gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos”.

Mas se o peso das tradições é plúmbeo, por que razão na nossa terra há tradições que desaparecem e outras que persistem e expandem-se?

Para tentar responder à questão, vamos dar dois exemplos: as batalhas de flores que eram comuns pelo menos em São Miguel no início do século passado e que caíram no esquecimento e as touradas que estiveram confinadas à ilha Terceira e que se expandiram para outras ilhas.

Tal como outras tradições que foram desaparecendo, as batalhas das flores não tinham a montante nenhuma indústria organizada que necessitava que o seu “consumo” aumentasse para poder viver, daí terem caído no esquecimento sem que houvesse alguém que lutasse pela sua continuidade.

No caso das touradas, vamo-nos restringir às touradas à corda, para além do vício que cria o dito espetáculo, que anda intimamente associado ao consumo de álcool, há a indústria tauromáquica que para sobreviver precisa que a tradição se mantenha e, por causa da concorrência entre ganadarias, necessita ue a tradição se expanda. Para exemplificar o exposto, com o apoio indireto da hipócrita Comunidade Europeia e direta dos Governos Regionais e das autarquias, em quarenta anos o número de touradas à corda quase duplicou na ilha Terceira, passando de 121, em 1975, para 226, em 2015.

Para além do referido, se não se tratasse de um negócio “sujo”, pois envolve maus tratos a animais e ferimentos e mortes a outros animais que se dizem superiores e racionais, que interesse teria o lóbi das touradas na sua expansão para outras ilhas?

Por que razão os aficionados terceirenses das touradas não se esforçam por alargar as famosas danças e bailinhos da sua ilha ao resto do arquipélago? Por que razão não se esforçam por classificar as danças e bailinhos como Património Cultural e Imaterial e andam a pressionar para que sejam as touradas classificadas como tal?

Por último, uma nota de humor. Embora sabendo que há outros critérios para a classificação de uma tourada como tradicional, o que obriga a que a mesma se realize há pelo menos 15 anos leva-me a pensar se deve ser tradicional tudo o que se repete.

Assim, é mais do que provado que desde que foi construído o edifício dos Paços do Concelho de Vila Franca do Campo há a tradição de durante os arraiais das festas religiosas utilizar as traseiras do mesmo como mictório.

Será que por já ocorrer há algumas centenas de anos, urinar contra as paredes daquele edifico poderá ser considerado tradição e como tal, embora a contragosto dos moradores, uma ação a ser devidamente protegida e acarinhada?


(*) Como se trata de um autor polémico e com muitos críticos sobretudo entre os que nunca o leram, aqui vai uma citação de um autor mais consensual, Albert Einstein: “A tradição é a personalidade dos imbecis”.


José Serrote da Vila


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