terça-feira, 30 de agosto de 2016

A falsa tradição das touradas à corda nos Açores




Sobre a tourada à corda nos séculos XX e XXI: alguns dados estatísticos

Através da análise ao número anual de touradas à corda, na ilha Terceira, facilmente se conclui que a tendência é a do aumento quase contínuo das mesmas, as quais cresceram cerca de 1400% (mil e quatrocentos por cento) num século (Fig.1).

Face a estes números, facilmente se conclui que na Terceira não se defende uma tradição quanto a nós que não tem qualquer razão para continuar, embora seja inegável que a tourada à corda é antiga, mas se fomenta uma indústria ou negócio sujo que vive de maltratar e humilhar animais e do sofrimento e morte de pessoas, que participam de sua livre vontade com a ajuda, muitas vezes de algum álcool.

Outro argumento, a comprovar que nem é a tradição caduca que está em causa, é o do esforço que a indústria tauromáquica tem feito para que as touradas à corda se expandam para as outras ilhas. Este esforço é feito sobretudo por terceirenses a viver fora da sua ilha e tem contado com fortes apoios governamentais e de autarcas sem um pingo de sensibilidade para as questões da educação cívica das populações e para as questões do bem-estar e dos direitos dos animais.

Uma estatística que nunca será feita com rigor é a do número de feridos e mortos pois o que as entidades oficiais fazem é desonesto, isto é, ou não recolhem os dados ou não os divulgam, estando assim ao serviço da deseducação e dos promotores da tortura animal.

Sobre este assunto, em 2014, o MCATA- Movimento Cívico Abolicionista da Tauromaquia dos Açores estimou que as touradas à corda eram responsáveis anualmente por no mínimo uma morte e mais de 300 feridos.

De qualquer modo, como não está no âmbito deste texto apontar números de mortos e feridos, vamos limitar-nos a referir um caso ocorrido em 1936 que, por agora, não sabemos que teve algum impacto no número de touradas daquele ano. Assim, no ano referido devido à ocorrência de vários feridos numa tourada as mesmas terão sido suspensas (Fig. 2)


Com o 25 de abril de 1974 os promotores de touradas e criadores de touros, fiéis servidores da ditadura apanharam um susto que não passou disso mesmo pois não houve coragem de proibir alguns vícios.

Assim, de 1974 para 1975, o número de touradas foi reduzido em 73,3%. Tal facto, terá sido resultado de uma deliberação do Dr. Oldemiro de Figueiredo que, segundo Pedro de Merelim, “estabeleceu que, além das oitenta tradicionais, no sentido de evitar exageros, só concederia licença para touradas à corda nas freguesias aos sábados, domingos e feriados” (ver fig 3).


De 1978 para 1980, resultado do sismo que destruiu a ilha Terceira no dia primeiro de Janeiro, o número de touradas reduziu de 59,6%, tendo recuperado no ano seguinte, onde ocorreu um aumento de 193,3% de 1980 para 1981.

Os democratas que nos governavam, a esmagadora maioria servidores do Estado Novo reciclados, não tiveram coragem de proibir a realização das mesmas, pelo menos em 1980, ano em que a ilha sofreu uma calamidade que para a ultrapassar teve de recorrer à solidariedade de muita gente, no arquipélago e fora deste. O próprio Pedro de Merelim referiu que suprimir a tourada “constituiria sério risco eleitoral da autoridade que o ousasse”.

Desde aquela data até agora, com a exceção de alguns anos em que houve decréscimo, como já escrevemos a tendência tem sido o crescimento do número de touradas, com o apoio de políticos populistas que nem foram capazes de manter a proibição da realização das mesmas fora dos fins de semana e feriados.

Em síntese e em conclusão, com o apoio governamental, autárquico, de organizações ligadas à Igreja Católica, de empresas sem escrúpulos, as de touradas à corda, ao contrário do que seria desejável, isto é estarem a caminho da extinção, substituídas por atividades recreativas ou culturais sem a presença de bovinos, como o boi de mamão, no Brasil, têm vindo a crescer ao longo do tempo. Assim, conclui-se que o que a indústria tauromáquica faz não é tentar manter uma tradição, ainda que anacrónica, mas sim rentabilizar ao máximo o seu negócio à custa do desrespeito pelos animais e pelas pessoas, a esmagadora delas viciadas pela habituação e falta de educação que não é dada nas famílias e nas escolas.


José Ormonde
Açores, 17 de agosto de 2016


Bibliografia
- Merelim, P. (1986). Tauromaquia Terceirense. Angra do Heroísmo: Delegação de Turismo de Angra do Heroísmo.




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