quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025
Quando os nossos governantes mentem sem vergonha
“É uma falácia dizer-se que não há bem-estar animal na tourada”. Esta estranha e curiosa frase é, no mínimo, desconcertante. Considerando que as touradas estão baseadas, pura e simplesmente, na tortura sistemática e impiedosa dos touros, sem a mais mínima consideração pelo seu bem-estar, podemos concluir que só pode ter sido pronunciada por uma pessoa completamente fora da realidade: por um fanático, por um louco ou, talvez, mesmo, por um extraterrestre.
No entanto, de forma inacreditável, esta frase foi pronunciada por um dos nossos governantes, o Secretário Regional da Agricultura e Alimentação, António Ventura [1]. Todos nós esperamos dos nossos governantes que digam sempre a verdade. Ou, no pior dos casos, que digam coisas duvidosas, ou talvez não completamente verdadeiras. Mas não é aceitável que digam os maiores disparates e barbaridades em público, sem nenhuma vergonha, como se todos nós fôssemos estúpidos. E, pior ainda, que isto não tenha nenhuma consequência.
Esta frase, para além disso, foi pronunciada pelo nosso Secretário num fórum taurino, pago com dinheiros públicos, que não tinha outra finalidade senão promover a tortura animal. E, com isso, sujar o bom nome de todos os açorianos. O nosso dinheiro foi gasto, portanto, num evento destas características, coisa que também parece não vai ter nenhuma consequência.
Mas as barbaridades do Secretário não ficaram por aqui. Ainda afirmou o seguinte: “Eu não encontro uma escola de cidadania melhor do que a tourada” [1]. E para acabar de insultar a nossa inteligência, teve o atrevimento de defender a legalização da “sorte de varas”, um brutal grau de tortura dos animais que inevitavelmente leva às touradas de morte e que representa, sem dúvida, uma das máximas manifestações da degradação humana.
Os toureiros sacrificam a sua vida para salvar a humanidade
Este deplorável nível intelectual ficou bem secundado pelo conjunto de participantes do fórum e dos seus convidados vindos de outros países. Para todos eles, os toureiros são os heróis da humanidade, da ecologia e da ética. Uma ética que, para estes perturbados torturadores de animais, está em crise no mundo moderno. “O matador se predispõe, de forma pacífica, a morrer por ela”, declarou José Parreira, da Tertúlia Tauromáquica Terceirense [2].
E os touros, eles próprios, também sacrificam voluntariamente as suas vidas. Amam tanto ser torturados que, para os participantes deste fórum, é admirável “a sua entrega até à morte na arena”. Para além disso, devido a desconhecidos e fantasiosos estudos veterinários, “não existe nenhum tipo de sofrimento” para os touros durante a lide [3]. É realmente pena os touros não saberem disso, pois supostamente poderiam morrer de felicidade e não devido a um prolongado, cruel e horrível sofrimento.
Por outra parte, o nível dos nossos autarcas, apoiando também o fórum com dinheiros públicos, não ficou muito atrás. A presidente da Câmara Municipal da Praia da Vitória, Vânia Ferreira, disse que as touradas são “parte integrante da nossa alma açoriana”. E o presidente da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, Álamo Meneses, disse que as touradas devem estar “no centro das preocupações e das responsabilidades” de quem governa [2]. Todas estas declarações políticas, de todo reprováveis, parece que também não vão ter, surpreendentemente, quaisquer consequências.
[1] Açoriano Oriental. 26 de janeiro 2025.
[2] Diário Insular. 25 de janeiro 2025.
[3] Diário Insular. 29 de janeiro 2025.
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