quarta-feira, 9 de maio de 2012

A Tradição é a personalidade dos Imbecis



Com o título acima, atribuído a Albert Einstein, não pretendo enxovalhar ninguém. Com efeito, não sou dono da verdade e compreendo que, por motivos de educação ou falta dela ou outros quaisquer, alguns animais ditos racionais pensem e agem ainda que anacronicamente. Além disso, há tradições (boas) e tradições (más).
Hoje, irei recordar um pouco uma tradição que, felizmente, acabou na minha terra natal e referir-me, a propósito, a uma outra atividade, a tauromaquia, que ainda subsiste, muitas vezes agarrando-se ao argumento da tradição.
Durante a minha infância e juventude, as festas do Divino Espirito Santo, na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, tinham um dia especial a que nós designávamos por “sexta-feira dos gueixos”. Neste dia, dezenas de touros e bezerros eram enfeitados por cada criador e desfilavam pelas ruas da localidade e por algumas freguesias vizinhas e no final do desfile dirigiam-se para as margens da ribeira, onde alguns eram arrematados por alguns comerciantes, outros, nomeadamente os mais novos, voltavam, para as pastagens e outros, ainda, eram abatidos, debaixo da ponte, e a carne depois era uma das componentes das pensões que eram dadas aos criadores e a todos os viúvos e pobres da localidade.
Ao abate, assistiam não só adultos, homens e mulheres, mas também algumas crianças. Sobretudo as mulheres e algumas crianças transportavam consigo alguns recipientes para a recolha de sangue o qual depois era levado para casa e era usado na alimentação.
O abate era feito geralmente por homens experientes, que algumas vezes deixavam algum rapaz, sobretudo filhos, também o fazer. O animal era esfolado no local, as peles eram recolhidas, postas a secar e depois vendidas, e as vísceras eram atiradas à ribeira que as transportava até ao mar.
O fim desta tradição secular, talvez tão antiga como outras que ainda persistem, deveu-se a imposições legais e deverá ter ocorrido quando o atual matadouro de Ponta Delgada foi construído (?).
A proibição de abater os touros na ribeira, que foi muito comentada na localidade, acabou por ser acatada sem qualquer resistência e saudosismo por parte da população e sem ter suscitado qualquer crítica por parte dos chamados homens de cultura de Vila Franca do Campo. Com efeito, todos perceberam que o mundo não pára, que as sociedades evoluem e que o que há a fazer é, sempre respeitando as opções dos nossos antepassados, evoluir e ninguém evolui agarrando-se às tradições sejam elas quais forem.
Embora não se possa esquecer que a tradição é como o colesterol, havendo o bom e o mau, o que está em causa, hoje, no que respeita às touradas não é a manutenção de uma tradição, que do meu ponto de vista não faz qualquer sentido, pois assenta sobre o sofrimento, maior ou menor, de seres que deveriam ser alvo da nossa compaixão.
Não se trata da manutenção da tradição, pois o que se está a pretender, no que diz respeito às touradas de praça, é o incremento da tortura animal, com a legalização da sorte de varas, como primeiro passo para os sonhados touros de morte.
Não se trata da manutenção da tradição pois o que se está a fazer é tentar aumentar até ao infinito as touradas de corda classificadas como tradicionais, ao mesmo tempo que se está a tentar espalhar a indústria tauromáquica para ilhas onde ela não existia.
Se o objetivo fosse divulgar as boas tradições terceirenses o que se promovia era uma das melhores manifestações da cultura popular açoriana, o Carnaval da ilha Terceira com as suas danças e bailinhos.
Por último, queria afirmar a minha total concordância com Ana Chaves que, sobre o assunto, muito recentemente escreveu: “Mas se queremos manter as tradições, voltemos à Inquisição e à morte na fogueira, voltemos ao Circo Romano onde os cristãos cantavam, sem temor, enquanto aguardavam a morte.”
 Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 9 de Maio de 2012)

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